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Música

Performer Aun Helden conquista Europa após sair do underground eletrônico

A estética das performances da artista, natural de São Bernardo do Campo, reflete as transformações pelas quais ou na busca de sua identidade como mulher trans, ela diz, durante uma conversa por vídeo na qual aparece à frente de um quadro da pintora mexicana Frida Kahlo

Redação Jornal de Brasília

28/01/2025 15h37

aunhelden

Foto: Reprodução Instagram

JOÃO PERASSOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Da estranheza soturna à feminilidade graciosa. Este foi o arco que o trabalho de Aun Helden, performer da cena de festas eletrônicas de São Paulo agora em ascensão na Europa, percorreu nos últimos cinco anos.

As máscaras com feições extraterrestres de olhos escuros esbugalhados, comuns em seus shows nos palcos montados junto à mesa do DJ na festa ODD, antes da pandemia, deram lugar a um longo vestido branco angelical no filme “Eternidade”.

Lançado há dois anos, o curta mostra Aun se desfazendo de uma pele de silicone colada em seu corpo, com a ajuda de ganchos. Depois, de branco como uma noiva, ela vaga solitária na areia em direção ao mar, numa praia deserta do litoral de São Paulo.

A estética das performances da artista, natural de São Bernardo do Campo, reflete as transformações pelas quais ou na busca de sua identidade como mulher trans, ela diz, durante uma conversa por vídeo na qual aparece à frente de um quadro da pintora mexicana Frida Kahlo.

“O meu trabalho é a trajetória da construção do meu corpo. Nos primeiros, era uma estética muito agressiva naquele momento eu tinha uma repulsa da minha identidade. A estranheza era o pilar principal. Agora estou partindo para um outro lugar, para eu adentrar uma estrutura que é o feminino, a mulher. Mas eu aceito esse momento de transição também como de experimentação”, afirma.

Isso quer dizer que ela não pretende abraçar o conceito do feminino como oposição ao masculino, dentro do binarismo de gêneros que coloca homens e mulheres como estruturas estanques no tecido social. Aun diz pensar “em outras formas de produção de feminilidade” e em manter uma identidade “que se decompõe”, como quando ela deita na areia junto ao mar no vídeo “Eternidade”, na busca de uma fusão metafórica com a natureza.

As apresentações de Aun colocam o público cara a cara, ainda que de maneira abstrata, com as mutações do corpo no decorrer da vida —ela veste peles de silicone e próteses para encarnar seres que parecem saídos de um filme de David Cronemberg. Mesmo com toda a teatralidade, Aun afirma não representar um personagem. “Minha presença é não ficcional.”

Seria ilógico limitar o trabalho da artista ao escaninho das artes cênicas. Ao confeccionar, ela mesma, seus figurinos, faz moda, assim como produz imagens quando pensa em como cada detalhe de suas performances será capturado pelas câmeras. A preocupação com o aspecto visual a aproxima das artes plásticas.

O universo de referências da artista de 27 anos inclui as artes cênicas que vão além dos palcos, como as peças do Teatro Oficina e do Teatro da Vertigem, o ator e dançarino japonês Tamasaburo Bando que interpreta mulheres no “kabuki”, uma prática que mistura atuação dramática, música e dança, a escultora Maria Martins, o pintor Francis Bacon e a escritora Clarice Lispector.

No ano ado, Aun fez uma residência artística em Amsterdã, na Door Foundation, voltada para artistas de prática experimental. O resultado foi a nova performance “Réquiem”, que ela mostrou em Zaandam, na Holanda, em Bruxelas, na Bélgica, e em São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade. Embora tenha se afastado da noite, ela segue como uma das atrações da festa ODD, porque afirma que os sócios da balada sempre a apoiaram e toparam as suas maluquices.

As suas andanças pela Europa coincidiram com a mudança de atmosfera de seu trabalho, que adquiriu um tom menos obscuro, mais esperançoso. Isso se deveu em parte ao fato de ela ar a se apresentar em galerias de arte e festivais. Ali, conta ter percebido que era possível performar no silêncio, para um público atento, num contexto fora do caos das pistas de dança da noite de techno.

Quando olha para trás, a performer se diz grata por ter conquistado um lugar de reconhecimento. Trabalhar é “uma maneira de me manter saudável num mundo onde a violência e a desumanização estão cada vez mais naturalizadas”, ela afirma. É também uma forma de entrar em contato com diferentes tipos de pessoas. “Ser artista me faz me sentir menos sozinha.”

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