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Política & Poder

ONG de secretária do PT cometeu ‘irregularidades financeiras’

Redação Jornal de Brasília

27/05/2025 6h28

anne moura com lula

Foto: Instagram

Um relatório técnico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontou que uma ONG do Amazonas, fundada e controlada pela secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, cometeu “várias irregularidades financeiras” com recursos reados pela pasta para um projeto de qualificação profissional de jovens.

Além de problemas nas subcontratações feitas com verba pública, a entidade não cumpriu o pactuado no âmbito do projeto de R$ 1,2 milhão. O dinheiro serviria para capacitar 750 alunos de até 21 anos na região de Manaus. Agora, a parceria pode ser rescindida.

O Ministério do Trabalho informou que o chamado termo de fomento segue com atividades financeiras suspensas até uma decisão final a ser tomada após manifestação da entidade. Anne Moura afirma ser vítima de perseguição política. A assessoria jurídica da ONG afirma corrigir desmandos da presidência anterior. Os atuais e ex-gestores faziam parte de um mesmo grupo político que rompeu (leia mais abaixo).

A fiscalização identificou que a ONG Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja), com sede em Manaus (AM), não cumpriu a regra de cotar três preços antes de contratar empresas prestadoras de serviços e firmou um contrato de consultoria antes mesmo da sondagem ao mercado.

Também detectou que a ONG fez contratos com cláusulas genéricas que impedem a verificação dos serviços e o cumprimento de metas. Além disso, usou 97% dos R$ 600 mil que recebeu antecipadamente sem direcionar nada especificamente para capacitação profissional.

A área técnica do ministério recomendou a devolução de R$ 584,2 mil já usados pela ONG. A entidade terá prazo para se manifestar e só depois a pasta do ministro Luiz Marinho (PT) tomará uma decisão.

“O IAJA não apresentou elementos formais suficientes para dar e às irregularidades constatadas e questionadas. Desse modo, sugere-se a restituição do valor total executado no montante de R$ 584.226,47, uma vez que constatou-se várias irregularidades financeiras, inclusive na parte contratual e nas cotações”, destaca a fiscalização.

O relatório foi elaborado após a solicitação de documentos à nova gestão da ONG e de uma visita feita por técnico do ministério à sede da entidade em Manaus. Apesar da troca da direção, as irregularidades não foram superadas.

“As justificativas apresentadas não se mostraram aptas a sanar as falhas verificadas, que vão desde ausência de cotação mínima, contratos genéricos, falta de comprovação da execução dos serviços, irregularidade na ordem dos atos istrativos até a não realização efetiva das ações previstas no Plano de Trabalho”, frisa o documento.

A parceria previa ao todo ree de R$ 1,2 milhão, mas foi suspensa para apuração de denúncias sobre o funcionamento da entidade. O Iaja é o foco de uma intensa briga política do PT do Amazonas com repercussões na direção da sigla em Brasília.

Como revelou o Estadão, o ex-presidente da entidade Marcos Rodrigues gravou Anne Moura, integrante do quadro nacional do partido, dizendo que ele deveria direcionar recursos públicos recebidos pela ONG à campanha eleitoral dela. Em 2024, ela concorreu à vereadora de Manaus pelo PT e não foi eleita.

“Eu quero falar do projeto nosso, do MTE. Nós precisamos saber como que… Eu preciso de dinheiro. De forma objetiva: eu preciso de dinheiro. Estamos prestes a ganhar essa eleição, só que a gente precisa saber como a gente vai fazer isso”, afirmou no áudio gravado sem que ela soubesse.

O Iaja também tem convênio com o Ministério da Cultura. É a ONG responsável pela coordenação do chamado comitê de cultura do Amazonas, uma estrutura criada na gestão da ministra Margareth Menezes para fomentar ações nos estados.

Como mostrou o Estadão, Anne Moura apareceu em outra gravação dizendo que o comitê deveria ser usado em benefício da campanha eleitoral dela. Ela disse que recebeu aval da cúpula do Ministério da Cultura para a ação indevido. A pasta da ministra Margareth Menezes nega que a conversa tenha existido.

Recursos de uma emenda estadual, enviada por deputado do Amazonas, foram parar na escola de samba de Manaus que homenageou Anne Moura em pleno ano eleitoral.

Auditoria detectou contratos genéricos

O principal contrato firmado pela ONG com o recurso do Ministério do Trabalho, com a Cidade Consultoria Empresarial, foi assinado antes mesmo da cotação de preços no mercado, por R$ 614,6 mil – valor parcialmente pago.

O serviço consistia em “serviços técnicos profissionais de organização acadêmica, dos materiais didáticos e de serviços relacionados aos recursos humanos”.

Cobrado pela fiscalização sobre a prévia, o Iaja alegou um “erro material” e que deveria haver “presunção de boa-fé nos atos praticados”. O argumento não foi acolhido, e outros problemas foram identificados no contrato.

“Embora a instituição tenha indicado genericamente que os serviços prestados envolvem ‘organização acadêmica, materiais didáticos e recursos humanos’, o contrato analisado não apresenta cláusulas suficientemente detalhadas sobre o escopo técnico do objeto, tampouco critérios para aferição da execução ou resultados entregues”, ressaltou.

A reportagem pediu esclarecimentos à dona da empresa, Meyre Carvalho. Ela disse que antes consultaria sua diretoria, mas não deu retorno.

A ONG Iaja também não cumpriu a obrigação prevista em decreto de fazer cotações com pelo menos três empresas.

Dos cinco processos de compras e subcontratações fiscalizados, só um cumpriu a exigência. Mesmo assim, houve “ausência de chamamento público ou qualquer forma de divulgação que possibilitasse ampla concorrência na apresentação de propostas por parte de fornecedores”.

Também foram identificadas irregularidades na contratação de uma empresa por R$ 35 mil para obras de “manutenção e adequação” na sede da ONG. A intervenção seria necessária para criar “espaço apropriado” para armazenamento de materiais e servir como ponto de “acolhimento dos professores”.

Para comprovar as melhorias contratadas, a ONG só apresentou fotos. “Contudo, a apresentação de imagens, sem documentos fiscais, relatórios técnicos, ordens de serviço, contratos detalhados ou atestados de recebimento, é insuficiente para atestar a execução contratual de maneira formal”, diz o relatório.

A ONG ainda firmou contrato com uma empresa para produção e oferta de materiais gráficos e montagem de kits para alunos e professores, por R$ 81 mil. Mas o contrato não especificava quantidade ou características dos materiais a serem entregues. Para os fiscais, esse expediente procedimento “compromete a clareza contratual e a capacidade de verificação da correta execução do objeto”.

A parceria com o Ministério do Trabalho previa a oferta de 100 horas/aula para 750 jovens de 15 a 21 anos, da região metropolitana de Manaus, de cursos profissionalizantes diversos. O objetivo seria “mitigar impactos oriundos do preconceito estrutural e opressões interseccionais, através da potencialização de formas de geração de renda e empregabilidade”.

A pasta diz que o termo de fomento pode ser rescindido, mas uma decisão final só será formalizada após “conclusão das etapas processuais, incluindo o direito ao contraditório e ampla defesa da entidade executora”.

A ONG Iaja existe desde 2012 e foi fundada por Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT. Apesar de não aparecer formalmente nos quadros da entidade, ela mantém influência sobre a organização, frequenta a sede do instituto e mantém aliados na condução das atividades. Procurada, ela disse que as denúncias que a relacionam são resultado de “perseguição política e pessoal”.

A atual gestão atribui as irregularidades ao antigo presidente do Iaja, Marcos Rodrigues, que ficou à frente da entidade por quatro anos. Ele fazia parte do grupo político de Anne Moura e gozava da confiança dela, até o rompimento no fim do ano ado.

Na versão dele, a briga se deu por insatisfação com o uso da estrutura da ONG para fins pessoais da petista. A gestão de Rodrigues tinha na equipe pessoas ligadas a Anne Moura que permaneceram após a saída dele.

Em março, ele disse ao Estadão que, na condição de chefe formal da ONG, era o responsável por operar desvios de recursos e de finalidades de editais em benefício do grupo político de Anne Moura.

“Ela (Anne) me usou para desviar o recurso. Não estou te falando isso para dizer que não sabia de nada, que sou um ‘alecrim dourado’. Não sou. Eu sabia de tudo o que estava acontecendo, mas fiz porque tinha um comprometimento político. Quando eu vi que ela estava sendo filha da p… comigo, resolvi entregar tudo”, afirmou.

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