Exibida no final dos anos 80 na TV Globo, a telenovela Vale Tudo inovou ao apresentar um clima de corrupção e falta de escrúpulos com personagens que o público adorava detestar, com destaque para Odete Roitman, interpretada por Beatriz Segall, uma senhora vil, manipuladora, narcisista, esnobe, preconceituosa, racista, que adorava falar mal do Brasil, em suma uma vilã para telespectador nenhum botar defeito, do tipo que dá vontade de esganar. Não por acaso ela era assassinada na reta final da trama, o que fez a pauta “Quem matou Odete Roitman?” virar assunto de repercussão nacional, debatido em mesas de bar e almoços de família com rematado entusiasmo.
Mais de trinta anos depois, a notícia de que a emissora faria um remake, só que com uma pegada politicamente correta, deixou muita gente irritada, e não era para menos. Em entrevista a um portal de notícias, Manuela Dias, responsável por reescrever a trama e salvar o público de si mesmo, disse a respeito da nova roupagem da vilã Odete Roitman, agora vivida por Débora Bloch: “Sinto que falar que o Brasil é uma porcaria não traz nada hoje em dia.” Não?
A afirmação não apenas não faz sentido, como revela um profundo desconhecimento sobre tudo o que envolve a prática narrativa, da construção de personagens ao contexto sociocultural de uma história. Notícias e análises sobre a nova proposta confirmam o alto grau de rejeição: “Globo virou refém do politicamente correto e só faz novela chata”, “Autora ganha carta branca em Vale Tudo e fãs ficam indignados com politicamente correto”, “Vale Tudo decepciona ao sinalizar abordagem politicamente correta”, “Declarações de autora são um balde de água fria na expectativa sobre Vale Tudo” e “Humanizar Odete Roitman é um grande erro para o remake de Vale Tudo.”
Por uma teledramaturgia mais desumana já!
André Cunha, escritor