O tema só pode ser Donald Trump. O homem mais poderoso do mundo não dá descanso, mas tampouco perde o dele: fins de semana em Mar-a-Lago, paramentado para o golfe – e com o custo das viagens no Air Force One já na mira dos críticos. No resort do presidente, é ele próprio a principal atração. Mar-a-Lago faz parte do espetáculo, onde poder e negócios se misturam. Paraíso dos lobistas, uns vão para fazer “política”. Outros, apenas curiosos, para vê-lo em seu habitat natural.
Quase dois meses de governo, e uma única constante: a velocidade com que os fatos se atropelam. É a política do caos – um caos calculado, que Trump encena como ninguém – sempre atento às ruas e aos mercados. Mas esse ritmo tresloucado já dá sinais de desgaste. James Carville, veterano estrategista democrata, apesar de meio desacreditado em 2024, insiste: é só questão de tempo até esse governo implodir.
A primeira fissura veio na semana ada, entre Elon Musk e Marco Rubio, secretário de Estado, que se enfrentaram numa reunião ministerial. Trump, por ora, ficou com Rubio. O secretário canalizava a insatisfação crescente de republicanos com as demissões em massa, os cortes na USAID e seus reflexos no comércio e no agro – tudo de uma vez, sem aviso. O estrago chegou às bases.
Musk tem pressa. Sabe que o tempo é curto para agenda tão ambiciosa. Mas, inexperiente no jogo político, tropeça nas sensibilidades próprias do métier – um ofício de equilíbrios e acomodações. No Vale do Silício, o mantra é “Move fast and break things”. Em Washington, cada peça quebrada tem dono – que cobra a conta. Episódios assim deixam ainda mais evidentes as contradições no coração do trumpismo 2.0.
Afinal, a caravana do “America First” que elegeu Trump em 2024 uniu aliados improváveis. De um lado, sua base fiel de 2016 – brancos sem diploma universitário, evangélicos e moradores do interior –, grupos guiados por Steve Bannon e seu populismo xenófobo, que usa as novas mídias como máquina de doutrinação na era da pós-verdade, com tentáculos globais. Do outro, os titãs do Vale do Silício, que veem no “America First” um meio de consolidar a primazia dos EUA na corrida tecnológica contra a China, sobretudo em inteligência artificial. Entre eles, um choque de visões: para Bannon, restaurar a grandeza americana é resgatar sua indústria e sua “pureza” cultural; para Musk, é assegurar a hegemonia nas novas fronteiras tecnológicas. Cada grupo projeta em Trump suas próprias ambições.
Contradições assim também se refletem na economia. Para uns, a política de tarifas é instrumento de pressão e moeda de troca. Outros, quiçá mais ideológicos, enxergam um imperativo: os EUA precisam produzir, não apenas consumir. A desindustrialização seria uma ameaça à fibra social; sua reversão, um dever moral – ainda que com custos inflacionários? Mas os mercados já reagem: a Bolsa de Nova York, que há semanas batia recordes, perdeu todos os ganhos desde a eleição. A confiança do consumidor cai, pedidos na indústria despencam, e os ziguezagues tarifários começam a cobrar seu preço. Como se dizia no folclore do velho futebol: prognóstico, só depois da partida!
João Marcelo Chiabai da Fonseca, advogado, consultor e mestre em Políticas Públicas pela Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins