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Brasil

‘Pejotização do crime organizado’ ameaça poder público, diz promotor de SP

Segundo Gakiya, a investigação identificou dezenas de firmas que recebiam dinheiro proveniente dos contratos com a prefeitura, a partir das duas principais empresas alvo da operação

Redação Jornal de Brasília

26/05/2025 18h20

Foto: Reprodução

TULIO KRUSE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Redes de empresas abertas legalmente estão sendo usadas por facções criminosas brasileiras para concorrer em licitações de serviços públicos e se infiltrar no Estado. O alerta é do promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo, que chama o fenômeno de “pejotização do crime organizado”.

Gakiya, considerado um dos maiores especialistas em PCC (Primeiro Comando da Capital) no país, diz que essa é uma das transformações mais preocupantes na atuação de grupos criminosos nos últimos anos.

Ele falou sobre o tema no 2º Seminário Internacional de Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia promovido pelo Iree (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa) e pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).

“[Há] a pejotização do crime organizado, infelizmente. São criadas diariamente dezenas, centenas de empresas ligadas ao crime organizado”, afirmou Gakiya.

Entre os exemplos, o promotor citou as descobertas da Operação Fim da Linha, deflagrada no ano ado. Nela, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) apontou que duas empresas que prestavam serviço de transporte de ônibus municipal -UPBus e Transwolff- tinham envolvimento com o PCC.

Segundo Gakiya, a investigação identificou dezenas de firmas que recebiam dinheiro proveniente dos contratos com a prefeitura, a partir das duas principais empresas alvo da operação.

A UPBus e a Transwolff transportavam um total de 700 mil ageiros por dia e receberam ao menos R$ 800 mil dos cofres municipais. A gestão Ricardo Nunes (MDB) anunciou em janeiro que vai trocar as empresas.

“Como é que indivíduos que são narcotraficante internacionais, que fazem negócios com a [máfia italiana] ‘Ndranghetta, por exemplo, procurados na lista de difusão vermelha da Interpol, fazem parte do controle acionário de uma empresa de ônibus da [maior] capital do Brasil?”, questionou. “Eram situações que já se prolongavam há mais de década, pelo menos 14 anos com prorrogações contratuais”, afirmou.

A Justiça, à época, determinou que a Prefeitura de São Paulo assumisse a operação das linhas de ônibus istradas pelas empresas. Segundo Gakiya, o PCC usa empresas não apenas para lavagem de dinheiro do crime (especialmente o tráfico de drogas), mas também para concorrer em licitações publicas.

“O crime organizado não quer apenas lavar dinheiro, quer obter lucro e esse lucro tem sido obtido às custas dos cofres públicos, muitas vezes”, disse o promotor.

Ele destacou algumas mudanças feitas no transporte municipal a partir da operação, em especial a rescisão dos contratos entre a prefeitura e as empresas, mesmo antes que o processo criminal na Justiça tenha recebido sentença.

Gakiya destacou a utilização de empresas do setor bancário, as chamadas fintechs, para lavagem de dinheiro.

Em fevereiro, a Operação Hydra do Gaeco apontou que duas fintechs teriam sido usadas pelo PCC para lavar dinheiro de crimes. Além das empresas do setor financeiro, teriam sido usadas também uma rede de firmas laranjas.

PROJETO ANTIMÁFIA

Um dos temas debatidos no seminário é um projeto de lei que visa o combate a máfias.
Gakiya tem defendido a ideia de que há organizações criminosas com atuação mais sofisticada do que meras facções, quando fazem lavagem de dinheiro, corrompem autoridades e infiltram-se nos serviços públicos, tornando-se máfias.

Ele afirma que, portanto, essas organizações devem ser combatidas de forma diferente do que grupos que se limitam ao tráfico de drogas, armas, pessoas e assaltos, por exemplo.

Segundo o diretor-geral da PF (Polícia Federal), Andrei Rodrigues, há um grupo de trabalho sob coordenação do Ministério da Justiça para debater o projeto de lei antimáfia.

“Acho que é uma questão muito cultural da Itália [chamar de máfia], outros países não usam essa terminologia, como por exemplo Estados Unidos, Espanha, Alemanha, França, China, no entanto, fazem o combate ao crime organizado”, disse Rodrigues durante uma entrevista coletiva.

“Acho de muita valia essa discussão para que se tenha à mesa essa pauta para melhorias de enfrentamento ao crime organizado, com aumento de penas, com mais ferramentas para investigação.”

Rodrigues destacou que, no ano ado, a PF apreendeu um total de R$ 6,4 bilhões de organizações criminosas -considerando tanto valores em dinheiro quanto em bens como imóveis, aviões, barcos e automóveis.

Presidente do Iree, o advogado Walfrido Warde aventou a possibilidade, durante seu discurso no evento, da criação de uma agência antimáfia brasileira no âmbito do projeto de lei que tem sido no grupo de trabalho.il *

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