A primeira imagem de “Hurry Up Tomorrow – Além dos Holofotes” é simbólica: uma casa em chamas e uma mulher caminhando rumo ao espetáculo. Nada mais justo para abrir o novo projeto de Abel Tesfaye, que parece fascinado por autodestruição, tanto estética quanto narrativa. Só que, em vez de renascer das cinzas como promete o título, o filme se arrasta entre fumaças de ego e vaidade, com ares de cinebiografia disfarçada de ficção.
Abel Tesfaye, tentando sepultar The Weeknd sem abrir mão da fama que o consagrou, assume o papel de si mesmo – ou de uma versão ficcionalizada, turbinada com drogas, ex-namoradas e crises de identidade. A metalinguagem até tenta soar ousada, mas o filme rapidamente escorrega no didatismo e no culto ao próprio reflexo. Entre uma tossida no camarim e um desabafo vazio sobre o peso da fama, o personagem encarna um artista esgotado que não sabe se quer a redenção ou apenas os holofotes de volta.

O roteiro, assinado por Tesfaye, Reza Fahim e Trey Edward Shults, flerta com a crítica ao show business, mas não mergulha em nada. Questões como abuso emocional, esgotamento mental e manipulação de imagem surgem como balões de ensaio, inflados com frases de efeito e abandonados antes de ganharem forma. Em vez de introspecção, o que se vê é uma sequência de cenas em que a dor vira performance – ou pior, marketing.
A presença de Jenna Ortega como Anima é a tentativa do filme de se levar a sério. Sua personagem, envolta em simbolismos e silêncios calculados, surge como uma musa do caos, uma espécie de catalisadora da narrativa. Mas nem ela consegue salvar a trama de se tornar um grande videoclipe estendido, onde as pausas dramáticas substituem o desenvolvimento real dos personagens.

Tecnicamente, há méritos: a trilha sonora é um respiro. As composições de The Weeknd, especialmente as do novo álbum que dá nome ao longa, funcionam melhor do que qualquer diálogo. As músicas têm vida, pulso e emoção – tudo o que falta ao protagonista quando não está cantando. As cenas de show, aliás, são o que há de mais instigante: luzes, som, plateia. O palco é o lugar onde Abel ainda brilha. Fora dele, se apaga.
A direção de Shults tenta evitar o visual de videoclipe, mas sucumbe ao próprio material. Os melhores momentos são, inevitavelmente, os musicais – o que denuncia a fragilidade do resto. Quando o roteiro tenta ser enigmático, parece apenas mal resolvido. E quando busca a catarse, entrega cenas vazias de tensão ou emoção. O mistério, aqui, soa como falta de coragem para dizer algo de verdade.

É difícil ignorar a tentativa de autoanálise de Abel, que parece querer expor suas contradições. O problema é que ele as romantiza demais para que possamos enxergar alguma autenticidade. Há uma vaidade disfarçada de confissão, uma fragilidade construída demais para ser crível. No fim, o filme tenta justificar tudo isso com a ideia de um artista em crise. Mas talvez o que se veja seja apenas um popstar perdido em sua própria encenação.

Conclusão
“Hurry Up Tomorrow” é um título que sugere pressa, urgência e futuro. Mas o filme olha para o espelho e não para frente. Preso em sua própria imagem, Abel Tesfaye entrega uma obra que parece ter medo de ser esquecida, mas também não sabe como ser lembrada. Se esse for mesmo seu último disco, o legado não será de coragem ou reinvenção – e sim de um artista que quis se despir, mas não conseguiu tirar o figurino.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Trey Edward Shults;
Roteiro: Trey Edward Shults; Abel Tesfaye; Reza Fahim;
Elenco: The Weeknd, Jenna Ortega, Barry Keoghan;
Gênero: Thriller psicológico, Musical;
Duração: 105 minutos;
Distribuição: Paris Filmes;
Classificação indicativa: 16 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z