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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

Papel de gênero, ideologia de gênero ou o quê?

Sempre que trato deste ou de outros temas cuja resposta se embasa na frase: “Isso é uma construção social”, falo aos meus alunos: se é uma construção social, quero conhecer o arquiteto e o engenheiro para saber seus reais interesses

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

04/07/2023 11h26

Foto: Tim Mossholder/Pexels

Por Demerval Guilarducci Bruzzi – CRP 01/21380

Antes de iniciar a coluna desta semana — e também antes de qualquer julgamento por parte dos leitores — informo que, para este texto, me pautei no Código de Ética Profissional do Psicólogo, em especial nos seguintes tópicos:

Princípios fundamentais:

  • III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural;
  • IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática;
  • V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do o da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.

Das responsabilidades do psicólogo:

  • c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional, e:
  • Art. 19 – O psicólogo, ao participar de atividade em veículos de comunicação, zelará para que as informações prestadas disseminem o conhecimento a respeito das atribuições, da base científica e do papel social da profissão.

Assim, ao falar de um tema extremamente complexo e atualmente carregado de ideologias políticas, me reservo ao direito de trazer apenas dados histórico-científicos, não sendo assim, uma opinião.

Sempre que trato deste ou de outros temas cuja resposta se embasa na frase: “Isso é uma construção social”, falo aos meus alunos: se é uma construção social, quero conhecer o arquiteto e o engenheiro para saber seus reais interesses.

Neste caso específico, de acordo com a ciência, o gênero não é imposto socialmente como algumas pessoas insistem em dizer. Diversos estudos, em especial com símios (espécies evolutivamente mais próximas do homem), demonstram que machos tendem a se comportar como machos, e fêmeas, como fêmeas, ou seja, os machos tendem a escolher brincadeiras tipicamente masculinas, e as fêmeas, femininas. No caso dos símios, não tem um fator cultural influenciando o processo.

Mas quando isso começou?

De acordo com documentário da BBC, aparentemente a ideia surgiu na década dos anos 1960, quando os gêmeos Bruce e Brian Reimer nasceram como meninos perfeitos em Winnipeg, no Canadá. Mas após sete meses, os garotos começaram a apresentar dificuldades para urinar. Sob orientação médica, os pais, Janet e Ron, levaram os dois a um hospital para serem circuncidados.

Na manhã seguinte, eles receberam uma ligação telefônica devastadora: Bruce tinha sido envolvido em um acidente. Os médicos usaram uma agulha cauterizadora em vez de um bisturi. O equipamento
elétrico apresentou problemas, e a elevação súbita da corrente elétrica queimou completamente o pênis de Bruce.

O casal, sem saber o que fazer com seus filhos, ficou à mercê da sorte, já que o hospital e os médicos responsáveis não sabiam como proceder.

De acordo com o casal, certo dia, assistindo televisão, viram uma entrevista do psicólogo John Money, especializado em mudança de sexo. Money acreditava que não era tanto a biologia que determinava se somos homens ou mulheres, mas a maneira como somos criados. Os pais dos gêmeos, então, escreveram para Money, e poucas semanas depois, levaram Bruce para vê-lo em Baltimore, nos Estados Unidos.

Para o psicólogo, o caso representava uma experiência ideal. Ali estava uma criança cuja qual ele acreditava que poderia ser criada como sendo do sexo oposto e que trazia até mesmo seu grupo de controle com ele – um gêmeo idêntico. Se funcionasse, a experiência daria uma evidência irrefutável de que a criação pode se sobrepor à biologia, e Money genuinamente acreditava que Bruce tinha uma chance melhor de levar uma vida feliz como mulher do que como um homem sem pênis.

Então, quando Bruce tinha 17 meses de idade, se transformou em Brenda. Quatro meses depois, no dia 3 de julho de 1967, o primeiro o cirúrgico para a mudança foi tomado, com a castração.

O médico John Money enfatizou que, se quisessem garantir que a mudança de sexo funcionasse, os pais
nunca deveriam contar a Brenda ou ao seu irmão gêmeo que ela havia nascido como menino. A partir de então, eles aram a ter uma filha, e todos os anos eles visitavam Money para acompanhar o progresso dos gêmeos, no que se tornou conhecido como o “caso John/Joan”. A identidade de Brenda foi mantida em segredo.

“A mãe afirmou que sua filha era muito mais arrumada do que seu irmão e, em contraste com ele, não gostava de ficar suja”, registrou Money em uma das primeiras consultas, de acordo com o documentário. Ele observou também, no entanto, que “a menina tinha muitos traços de menina-moleque, como uma energia física abundante, um alto nível de atividade, teimosia e era frequentemente a figura dominante num grupo de meninas”.

Em 1975, as crianças tinham 9 anos, e Money publicou um artigo detalhando suas observações. A experiência, segundo ele, havia sido um sucesso total. E assim surgiu a primeira experiência que deu fama e sucesso ao Dr. Money.

Porém, pouco se fala no fim trágico desta história. Brenda chegou à puberdade, aos 13 anos, com impulsos suicidas. “Eu podia ver que Brenda não era feliz como menina”, lembrou a mãe, Janet. “Ela era muito rebelde, muito masculina, e eu não conseguia convencê-la a fazer nada feminino. Brenda quase não tinha amigos enquanto crescia. Todos a ridicularizavam, a chamavam de mulher das cavernas. Ela era uma garota muito solitária.”

Ao observar a tristeza da filha, os pais de Brenda pararam com as consultas com John Money. Logo depois, eles fizeram algo que Money tinha pedido para que não fizessem: contaram a ela que Brenda havia nascido menino.

Semanas depois, Brenda escolheu se transformar em David. Ele ou por uma cirurgia de reconstrução do pênis e até se casou. Ele não podia se tornar pai, mas adorou ser o padrasto dos três filhos de sua esposa.

Mas, o que David não sabia era que seu caso tinha sido imortalizado como “John/Joan” em artigos médicos e acadêmicos a respeito de mudança de sexo, e que o “sucesso” da teoria de Money estava afetando outros pacientes com problemas semelhantes aos deles. “Ele não tinha como saber que seu caso havia ido parar em uma ampla série de livros de teoria médica e psicológica e que estava estabelecendo os protocolos sobre como tratar hermafroditas e pessoas que haviam perdido o pênis”, disse John Colapinto, um jornalista do The New York Times, que descobriu a história de David.

Quando ou dos 30 anos, David entrou em depressão, perdeu o emprego e se separou da esposa. Na primavera de 2002, seu irmão morreu devido a uma overdose de drogas.

Dois anos depois, no dia 4 de maio de 2004, quando David estava com 38 anos, os pais, Janet e Ron Reimer, receberam uma visita da polícia, que os informou que seu filho havia cometido suicídio.

Como podemos observar no relato histórico exposto, o tema é bem mais sério do que vem sendo tratado pelas entidades competentes, inclusive por psicólogos. Por isso, deixo espaço aberto na coluna desta semana na esperança de trazer à tona um debate de acordo com o Código de Ética Profissional do Psicólogo, isto é, baseado na ciência.

Para saber mais a respeito do tema, indico, além do documentário-base deste artigo, o livro “Por que gênero importa?”, de Leonard Sax.

Até a próxima!

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