Convida Ivana Drummond (CRP 04/10879)
Quando pensamos em infância, geralmente, imagens de crianças felizes, correndo, descobrindo e explorando os espaços, brincando ao ar livre e em interações sociais costumam vir à mente. Entretanto, a realidade atual é está longe do cenário idealizado. Crianças enfrentam fome, violências físicas, sexuais e psicológicas, abandono, uso excessivo de tecnologias, obesidade e transtornos mentais, com diagnósticos cada vez mais frequentes. Esses problemas, que antes pareciam distantes, agora fazem parte do universo infantil, revelando uma infância bem diferentes daquelas que as famílias e a sociedade desejam.
O sofrimento psíquico entre crianças e jovens tem ganhado destaque nos últimos anos, e pode ter se agravado devido a várias mudanças nas relações sociais e no ambiente em que vivem. Recentemente, uma reportagem da Folha de São Paulo, com análise a partir de dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2013 a 2023, revelou que, pela primeira vez na história, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superam os de adultos. Com um crescimento expressivo nos últimos anos, a taxa de pacientes de 10 a 14 anos atendidos pelo transtorno é de 125,8 a cada 100 mil, e a de adolescentes, de 157 a cada 100 mil. Já entre pessoas com mais de 20 anos, a taxa é de 112,5 a cada 100 mil, considerando dados de 2023, refletindo uma crise crescente entre os mais jovens desde 2022.

As pressões acadêmicas, a falta de tempo livre e o uso excessivo de tecnologia podem limitar as experiências positivas que deveriam compor um bom desenvolvimento infantil. Paralelamente, a medicalização da infância tem se tornado um tema de grande relevância. Muitas vezes, comportamentos naturais e variações no desenvolvimento infantil são rotulados e tratados como problemas médicos, levando a intervenções farmacológicas. Esse fenômeno, conhecido como Medicalização da Infância, tem levado a um aumento exorbitante na prescrição de medicamentos “tarja preta”, inclusive para questões que não são de natureza médica.
Essa medicalização inadequada pode trazer efeitos colaterais significativos, contraindicações diversas e até mesmo dependência, impactando negativamente o desenvolvimento das crianças. Diante desse cenário, é essencial que pais, educadores e profissionais de saúde reflitam sobre essa tendência e busquem outras abordagens mais saudáveis e equilibradas para lidar com as particularidades das fases da infância. Sim, as crianças podem adoecer e desenvolver transtornos mentais e comportamentais, mas o uso de psicofármacos é apenas uma dentre as várias opções de tratamento do sofrimento psíquico na infância, que não pode e nem deve se limitar a um diagnóstico e a controlar este sofrimento de forma química. Evidências mostram que abordagens mais amplas, que incluem ou não o uso de medicamentos, são mais eficazes a longo prazo.

Uma dessas alternativas é a psicoterapia infantil. Nesse espaço, as crianças encontram um ambiente seguro para expressar suas emoções e lidar com seus desafios de maneira saudável. Por meio de técnicas lúdicas, como brincadeiras, desenhos e jogos, os terapeutas ajudam as crianças a compreenderem e gerenciarem seus sentimentos e comportamentos. Além de tratar questões emocionais e comportamentais, essa abordagem promove o desenvolvimento de habilidades socioemocionais essenciais para um crescimento saudável, além de envolver os pais no processo, orientando-os sobre como apoiar seus filhos de maneira eficaz.

A psicoterapia infantil pode, em muitos casos, complementar ou até mesmo substituir o uso de medicamentos, oferecendo uma abordagem centrada na criança, em suas vivências e necessidades. Esse contexto nos leva a refletir sobre a importância de criar ambientes que priorizem o desenvolvimento saudável das crianças e valorizem o brincar, a socialização e o tempo ao ar livre. É essencial que pais, educadores e profissionais de saúde trabalhem juntos para garantir que as crianças possam desfrutar de uma infância plena e equilibrada, onde suas necessidades emocionais e sociais sejam tão valorizadas quanto as acadêmicas.
Então, para concluir, vamos responder à pergunta inicial: sim, as crianças podem precisar de psicoterapia. Se você perceber que o sofrimento de seu filho está se prolongando ou se intensificando, não hesite em buscar ajuda de um profissional de saúde, como um psicoterapeuta ou pediatra.
Até a próxima!