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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

[CONCURSO PÚBLICO] Descaso em psicotécnico interessa a quem?

Leia a coluna de hoje e responda: quais os beneficiados por erros grotescos? Quais tipos de profissionais estão assumindo cargos nas corporações policiais?

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

17/10/2024 17h56

Prova, concurso público

e Jorge Victor Nascimento da Silva (CRP 05/53124)

Escrevo essa coluna de hije em parceria com o psicólogo Jorge Victor, ator principal do relato a seguir:

Imagine-se você, caro leitor, na seguinte situação: meses de preparação e investimento financeiro e emocional para a prova objetivo de sua vida profissional (ser um policial). Você consegue, com muito esforço, pontuar suficiente para estar dentro dos classificados; algumas semanas depois, tem de ar por uma árdua batalha, que é o teste de aptidão física. Logra êxito, tem sua vida vasculhada pela investigação social e é declarado com reputação ilibada. Além disso, ainda precisa expor-se à retirada de 5 centímetros de mexa de cabelo para ser submetido ao exame toxicológico. Chega a última etapa do certame, a avaliação psicológica (ou como é popularmente conhecida, psicotécnico). Você chega ao local de aplicação apreensivo, mas certo de que não terá problemas, pois, por obvio, se chegou até aqui, é evidente que não tem qualquer déficit de memória ou inteligência. Não é razoável supor que alguém que pontuou mais que 2.843 candidatos na prova objetiva tenha algum resultado de capacidade cognitiva desviante da média. Contudo, durante a aplicação da avaliação, você se depara com uma psicóloga mais nervosa que você, lê instruções de forma confusa, comete tantos erros que sua supervisora precisa intervir e, ela própria assumir a aplicação.

Acreditem, esse é o relato REAL de Jorge Victor Nascimento da Silva, psicólogo (CRP 05/53124), especialista em avaliação psicológica que, até poucas semanas atrás, ainda era oficial psicólogo das forças armadas e atuava justamente na condução de avaliação psicológica de concursos públicos e processos seletivos, e que foi reprovado no psicotécnico do Concurso Público da Polícia Civil de Santa Catarina, edital nº 02/2023, para 30 vagas ao cargo de Psicólogo Policial Civil, conduzido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A cena aconteceu exatamente com Jorge no último 8 de setembro, no campus da UFSC, em Florianópolis. De acordo com seu relato, a psicóloga cometeu diversos equívocos nas orientações dos testes, retomando as orientações, trocando palavras, bem como se atrapalhando na organização do material de testagem, transparecendo insegurança na aplicação dos testes.

Vamos aos erros técnicos cometidos pela responsável pelo certame. Durante a aplicação do teste de memória TEM-R-2, dois candidatos cometeram o equívoco de rasurar o cartão de exemplo de estímulos, demonstrando que a orientação da aplicadora não havia sido clara. Dessa forma, todos os candidatos tiveram de interromper a testagem para que o ocorrido fosse “resolvido” – qualquer estudante de psicologia sabe que isso, por si só, é motivo de cancelamento deste teste com necessidade de nova aplicação, uma vez que o princípio da isonomia foi quebrado, além das regras estabelecidas no manual de aplicação do teste. Para piorar a situação, a Psicóloga Responsável Técnica foi chamada e substituiu a desorientada e assustada primeira psicóloga, reiniciando o processo, o que novamente fere os princípios norteadores para tal modalidade de avaliação.

Concurso público
Banco de Imagens

E quando pensamos que não tinha mais nada para acrescentar, Jorge é impedido, ou melhor, tem seu pedido de fazer constar em ata o fato ocorrido ignorado, o que fere a LEI.

O pior ainda está por acontecer – de acordo com o relato de Jorge, o despreparo das psicólogas aplicadoras era tão grande que, na sala 4, o cartão de exemplo de estímulos foi trocado pelo cartão de estímulos do teste propriamente dito na aplicação do teste TEM-R-2.

Por se tratar de um concurso que envolve, entre outros candidatos, profissionais da psicologia, assim que terminou a aplicação, todos eles, imediatamente, comunicaram à FGV e à ACADEPOL. Fato que motivou a FGV a emitir um comunicado, assinado pela Psicóloga Responsável Técnica, convocando os candidatos da sala 4 para uma reaplicação do teste de memória, a ser realizada em 29/09/2024.

Aqui, tenho certeza de que muitas leitoras e leitores devem estar pensando que o erro foi consertado ou ou minimizado pela FGV. Mas, não. A coisa ainda piora. Na reaplicação, foi utilizado o teste TEDPIC-M2, com construto diferente do teste inicial TEM R-2 – onde o primeiro trabalha memória de reconhecimento (com dica) e o segundo memória visual pictórica (sem dica), ou seja, em um o candidato é exposto a um estímulo e depois precisa localizá-lo em meio a outros semelhantes, ao o que, no segundo o candidato é exposto a um estímulo (uma imagem) e depois precisa descrever o que viu (anotando em uma folha os pictogramas vistos). Assim, mais uma vez, o princípio da isonomia, da impessoalidade e da equidade são feridos.

Concurso público, teste, prova
Banco de Imagens

Outro teste foi aplicado de forma errônea no mesmo concurso, o G36, que avalia inteligência geral não verbal. De acordo com o manual, deve ser aplicado em 30 minutos, fato que não ocorreu no concurso, onde algumas psicólogas foram orientadas a aplicar o citado teste sem limite de tempo, ferindo, pela terceira vez, o princípio da isonomia, da impessoalidade e da equidade, já tão abordado.

Como podem observar, a cada dia, temos a psicologia e a nossa única ferramenta desacreditada junto à população. Erros como estes apontados nesse certame, levam a sociedade e governantes a questionarem o papel da avaliação psicológica nos diversos certames Brasil afora.

Se continuarmos assim, em breve, teremos de promulgar uma lei, igual na África do Sul. A Lei de Equidade no Emprego 55 de 1998 (Seção 8), que afirma que os testes e avaliações psicológicas de um funcionário são proibidos, a menos que seja confiável, válido, imparcial e possa ser aplicado de forma justa a todos os funcionários.

Mais um erro em um certame – agora, da POLÍCIA CIVIL. Além disso, como também já abordei em colunas anteriores, ainda temos a ADI do ministro Alexandre de Moraes fazendo um desfavor à comunidade, o que me faz lembrar sua origem, e a questionar: a quem interessa grotescos erros?

Qual tipo de profissional das forças policiais está entrando para as corporações? Pois, é fato que esses erros prejudicam poucos e favorecem muitos.

Até a próxima!

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