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Alta Velocidade
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Patinho Feio, o filho nobre de Brasília

A história real do carro criado por quatro jovens brasilienses nos anos 1960 que virou lenda do automobilismo nacional

João Luiz da Fonseca

21/04/2025 5h00

alta velocidade

Construído em apenas 21 dias, o Patinho Feio largou no final do grid, escalou o pelotão e foi a grande sensação da primeira edição dos 500 km de Brasília. – Foto: Reprodução

cab brasília 65 anos

A comemoração pelos 65 anos de Brasília, no próximo dia 21, virá acompanhada de uma extensa programação ao longo de todo o fim de semana prolongado pelo feriado de Tiradentes, celebrado na mesma data.

Em meio a tantos símbolos icônicos, nossa capital também é o berço de uma verdadeira joia do automobilismo nacional. Nascida aqui, em 1967, ela segue viva na memória dos apaixonados por velocidade — embora muitos jovens brasilienses sequer conheçam sua história.

Falo com emoção não apenas por iração, mas por ter feito parte desse capítulo, ainda na juventude, quando tudo começou.

A semente foi plantada nos festejos de inauguração da cidade, em 1960, com a criação do “Grande Prêmio Juscelino Kubitschek”. A largada foi dada por ninguém menos que Juan Manuel Fangio, o lendário piloto argentino que já ostentava cinco títulos mundiais.

A partir de 1962, as largas avenidas do Plano Piloto aram a receber os “Mil Quilômetros de Brasília”. E foi em setembro de 1967 que surgiu uma nova prova: os “500 Km de Brasília”. Um evento que empolgou a cidade e se tornou tradição anual.

Movido por aquela atmosfera contagiante, me vi tomado pelo desejo de correr. A primeira edição dos 500 km estava prestes a acontecer, e minha vontade era imensa. Tinha 18 anos, e, como eu, outros três amigos da mesma idade também sonhavam em competir. Faltava só um pequeno detalhe: o carro.

Sem dinheiro e sem veículo, a solução surgiu de onde menos esperávamos. O pai de um dos nossos colegas havia sofrido um acidente grave com seu Fusca, que virou sucata. Mas a mecânica do carro resistiu ao impacto, e ele nos doou o que restou. A empolgação durou pouco — faltavam apenas três semanas para a prova e tínhamos apenas um motor.

Mas quando se é jovem, apaixonado e teimoso, nada parece impossível. Transformamos a garagem de uma casa em oficina improvisada e iniciamos uma verdadeira maratona por ferros-velhos da cidade, atrás de qualquer peça que coubesse em nosso sonho. Com muito esforço, noites mal dormidas e uma dose generosa de improviso, o impossível se concretizou: em exatos 21 dias, o carro estava pronto.

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Foto: Reprodução

Era vermelho como uma Ferrari, mas o visual era mais próximo de um personagem de desenho animado. Com quatro faróis de milha parafusados nos paralamas dianteiros e traseiras em forma de asas de abelha, o carro lembrava um enorme gafanhoto. Ganhou o nome de Camber PT1 — e, no local da corrida, o apelido carinhoso (e debochado) de “Patinho Feio”.

O grid foi definido por sorteio, e largamos em último, entre os 34 participantes. Eu e meu amigo Alex nós revezaríamos ao volante durante as seis horas de prova. E foi aí que o improvável começou a acontecer: mais leve do que os concorrentes, nosso Patinho começou a ultraar os bólidos mais sofisticados da época logo nas primeiras voltas.

Só não vencemos porque uma lanterna queimada nos obrigou a uma parada longa no pit stop. Um Alfa Romeo aproveitou e cruzou a linha de chegada em primeiro. Mas os aplausos e a emoção da torcida foram todos para o Patinho Feio, que terminou em segundo lugar.

Nascia ali uma lenda. A história ganhou as telas em 2017, com o documentário O Fantástico Patinho Feio, dirigido por Denilson Félix, vencedor de melhor longa-metragem no 50º Festival de Brasília. Dois anos depois, o filme abriu a 23ª edição do Festival de Cinema de Miami.

E a história não parou por aí. A saga dos quatro amigos foi eternizada também pelos Correios, que lançaram um selo comemorativo com a imagem do carro e os dizeres: “De volta para o Futuro – Camber, uma escola de vida”, em homenagem à Oficina Camber. Criada inicialmente para dar vida ao nosso carro, a oficina acabou se tornando referência para muitos. Por lá aram nomes como Roberto Pupo Moreno e Nelson Piquet, entre tantos outros que tiveram suas vidas marcadas por aquele espaço.

Hoje, ao lembrar dessa história, sinto uma enorme gratidão. Vim para Brasília ainda criança, vindo do Rio de Janeiro, e aqui vivi alguns dos momentos mais intensos da minha vida. Parabéns, Brasília, pelos 65 anos. E obrigado por me deixar fazer parte da sua história — com um certo Patinho Feio que, contra todas as expectativas, virou símbolo de superação e paixão.

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